terça-feira, abril 25, 2006

Texto: Monólogo de um defunto

Toda a dor poderia ser física.

Todo os dias morro um pouco mais, claro, a própria ciência já diz isto, começamos a morrer no dia em que nascemos. Mas a morte biológica é natural, é saudável, como disse Raul: “O caminho da vida é a morte”.

Todo medo deve ser enfrentado.

A última vez em que morri, foi no Lar das Maravilhas, muitos me invejariam porque não deve haver lugar melhor para morrer. Quem conhece o lugar sabe como as coisas acontecem. Eu sabia como as coisas aconteceriam, e sabia que eu poderia morrer lá. Mas então que ímpeto suicida me leva a própria destruição? Eu queria enfrentar a morte, queria dançar com ela e no outro dia acordar limpo. Eu dancei com ela, a noite quase toda, e dentro de mim havia uma mistura embriagante de medo e desejo, mas não o desejo no sentido nu e cru da palavra, mas o desejo de enfrentá-la. O Lar das Maravilhas era só um pano de fundo para minha Odisséia, onde eu sairia do tenro e doce conforto da minha terra e enfrentaria mares, deuses, demônios para depois retornar como um vencedor, dizendo para meus botões: “...viu? Você conseguiu. Você continua limpo!!”.

Toda vergonha deve ser escancarada...

Os gestos mais inocentes, que demonstram o companheirismo, a cumplicidade, o respeito e a intimidade, podem se tornar na antítese de todos esses substantivos como que por pura mágica, entrando em um ciclo maldito em que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Estes gestos foram as armadilhas que a morte me preparou enquanto eu dançava com ela, quando eu achava que eu ia finalmente aprender a lidar com ela, pronto ela me derrubou.

Toda morte deveria ser única...

Eu morri. Quem já morreu sabe qual é a sensação. O estar morrendo é mais confortável que a morte propriamente dita. Enquanto estamos morrendo, parte de nós ainda está apegada a vida, normalmente a parte racional faz isto, tentando convencer o todo de que nada aconteceu, e que os delírios não têm fundamento. Mas a parte que já está morrendo não está nem aí, os apelos do lado racional tornam-se ecos distantes enquanto que o calor da consciência vai sumindo e vamos ficando pequenos, pelados, sozinhos... A dimensão dos mortos é úmida o chão está sempre molhado, é sempre escuro e frio. O mundo real passa a ser visto através de uma janela que liga as duas dimensões, as pessoas que continuam vivas, conseguem me ver, tentam falar comigo, eu consigo ouvi-las, mas a comunicação é difícil. Além da janela para o mundo real existe a porta do inferno, mas ela não é como todo mundo pensa, ela não tem adornos demoníacos, nem está ardendo em chamas. Ela simplesmente bloqueia a janela do mundo real. E quanto mais eu morro, mais próximo dela eu fico.

Toda angústia é humana...

Acordei.
Ainda estou morto?
Ainda.
Mas a porta do inferno está um pouco mais longe.
O que pode ser um bom sinal.
Até me deu vontade de fazer alguma coisa.

Beleza.
Estou quase vivo.

Mas sei que ainda estou na dimensão da morte, porque ainda sinto o chão molhado e ainda estou nu.

Preciso ter muito cuidado, não posso deixar que os outros percebam que estou morto.
Isto definitivamente não é bom.
Vou fazer como eu sempre faço.
Esperar.
Uma hora passa.

E se não passar?

Sempre passa.
Lembra?

Sempre passa e sempre volta.

E vai ser sempre assim?

Gostaria que não.

Tente se manter longe da porta do inferno.


Wagner Alves

Poesia: Aquilo que não dura

A felicidade é algo que, pra mim, pouco dura.
Questão de minutos, horas às vezes dias.
Vertigens que se arrastam como correntes pesadas e frias.
Trazendo a tona tudo o que mais afasta a cura.

Uma coisa tão simples quanto o olhar azul de uma criança.
Ou um gesto amargo de um velho amigo.
Dentro da cabeça dispara o sinal de perigo.
Tornando frágil tudo o que a mão alcança.

Tudo até hoje teve uma solução reconfortante.
Uma luz que surge na manhã escura.
Mesmo que seja só por um instante.
Pois, pra mim, a felicidade é algo que pouco dura.

Durante alguns segundos fiquei feliz.
Agora voltei ao ponto de partida.
Como uma árvore com tão profunda raiz.
Cujas folhas e galhos já não têm mais vida.

Mas é sempre mais fácil ficar deprimido.
Olhar no espelho e sentir raiva da triste figura.
Deixe estar velho amigo.
Afinal, pra você, a felicidade é algo que pouco dura.

Wagner Alves

Poesia: Boca

A boca fala, solta feito laço frouxo
Respinga, baba com uma raiva canina
Não me importa, afinal, não ouço
Ela fala enquanto meu controle afina

"...Ah, domina tua boca rapaz,
Deus te deu muitos sentidos
Se fosse para tua voz ser o mais voraz
Te daria duas bocas e não dois ouvidos"

Não adianta, ela não me obedece
Fala, fala e quando vejo, já falou
Quando finalmente percebe o que acontece
Fecha-se depois que o mosquito já entrou

"...Ó ância de desmedida comunicabilidade
Queres fazer valer sempre a tua idéia
O remédio, quem sabe, a idade
O legado, certamente, a miséria."

Wagner Alves

segunda-feira, abril 24, 2006

Finalmente

Finalmente criei coragem para começar um blog. Vamos ver se consiguirei mantê-lo.